Jorge Silvério e a ansiedade dos atletas: "A maioria não tem salários milionários"



Psicólogo do desporto acompanha a seleção de futsal e os atletas do Programa Olímpico, entre muitos outros desportistas a nível individual. Numa entrevista ao DN, que transcrevemos, fala sobre as inquietações dos desportistas e de como a quarentena pode afetar a saúde mental.

A maior parte dos atletas profissionais está de quarentena há quase três semanas. Pela sua experiência, qual é o estado da saúde mental deles nesta altura?
Pela minha experiência e pelos contactos diários que mantenho com muitos deles, o estado mental é muito variado e depende da experiência, personalidade e ambiente de cada um. Desde aqueles que estão tranquilos até aos que já manifestam ansiedade de que tudo termine e possam voltar a exercer a sua profissão sem limitações.

O que é mais importante fazer para um atleta que está em quarentena?
Manter rotinas, ou seja, ter atividades para fazer, desde logo as obrigatórias, como o exercício físico. Manter uma rotina não quer dizer que os dias sejam todos iguais, desde que se mantenha o treino físico e mental. E depois é realizar o treino mental todos os dias: os atletas com quem trabalho têm um conjunto de tarefas no seu treino mental adequadas a cada um.

Do ponto de vista emocional, seria melhor os atletas poderem sair de casa para treinar?
Isso seria excelente, mas neste momento há um valor que se sobrepõe que é a saúde de todos. E os atletas estão também habituados a colocar em primeiro lugar os valores coletivos em detrimento dos individuais, que é o que todos precisamos de fazer neste momento.

Sem entrar no sigilo profissional, quais são as principais inquietações dos atletas?
A incerteza que traz sempre consigo ansiedade é a principal preocupação. E neste momento esta incerteza tem muitas expressões: quando serão retomadas as competições? Como ficam os objetivos traçados para esta época e para as próximas? Nos atletas que finalizam contratos, como irá ser o futuro profissional? Será que vou ser infetado ou alguém da minha família? E outras porque, por exemplo nos atletas que estão apurados para os Jogos Olímpicos ou que estão a tentar estar lá, essa aposta implica muitas alterações na vida pessoal: adiar cadeiras na universidade, adiar projetos como ser pai ou mãe, etc.

E de que forma a psicologia ou a psicoterapia pode ajudá-los? Há exercícios para controlar a mente?
Imenso! Se no dia-a-dia é fundamental, mais agora, por tudo o que já falámos. Os atletas com quem trabalho têm diariamente um conjunto de tarefas para fazer e que são parte integrante dos seu treino mental diário. Da minha prática enquanto psicólogo do desporto e dos estudos e investigação que tenho realizado, estou convencido de que a tenacidade (conceito que tenho desenvolvido e elaborado) se tem revelado decisiva para o sucesso dos atletas e é também de ser tenazes que todos necessitamos para enfrentar esta crise. Esta é outra vantagem que os atletas têm, pois eles, ao longo da sua vida desportiva, já enfrentaram obstáculos e dificuldades, estando por isso mais preparados para enfrentar esta. Aqui assume extrema importância a formulação de objetivos, pois, sendo a técnica mais poderosa de motivação, permite que os atletas tenham um rumo e uma direção.

De que maneira a indefinição quanto à evolução da pandemia e ao regresso aos campeonatos pode afetar os atletas?
É muito difícil manter os índices competitivos no topo diariamente (a motivação, os objetivos, a concentração) quando não se sabe exatamente quando serão retomadas as competições. Por isso, é importante que, logo que possível, se tome decisões em relação a datas de regresso.

Ao longo da sua vida desportiva, já enfrentaram obstáculos e dificuldades, estando por isso mais preparados para enfrentar esta

Ouvir, ler e ver notícias sob o covid-19 ou devem evitar o assunto?
Depende muito de atleta para atleta e até da própria disposição. O que recomendo é que se defina um ou dois momentos durante o dia para atualização e usando fontes credíveis.

Os atletas são pessoas saudáveis, mas não são imunes. O atleta tem medo de ser infetado?
Os atletas, sendo seres humanos, têm os receios comuns a todos e, portanto, esse receio também existe mais ou menos exacerbado em cada um. Posso dar-lhe dois exemplos: durante este período, telefonou-me uma atleta de madrugada preocupada porque estava a ter sintomas semelhantes ao do covid-19, que felizmente não se confirmaram. Outro atleta com quem trabalho tem estado muito ansioso por receio de poder passar o vírus aos filhos mais pequenos.

Em Portugal não é conhecido qualquer caso de coronavírus no desporto. Isso ajuda a tranquilizá-los?
Não, porque são múltiplos os casos de desportistas infetados por esse mundo fora.

O presidente do Comité Olímpico de Portugal disse há dias ao DN que não se pode pedir a um atleta de alta competição que fique 14 dias no sofá, pois são pessoas que estão habituadas a despender uma quantidade energética por dia. Concorda?
Absolutamente, e felizmente que eles não têm ficado no sofá. Através das redes sociais dos atletas e dos próprios clubes, temos visto situações engenhosas e criativas para se treinarem, embora não sejam o mesmo: é completamente diferente um nadador fazer exercícios em casa ou nadar numa piscina ou um futsalista não ter contacto com a bola e não treinar em equipa. Fazer exercício é uma vantagem dos atletas porque têm um conjunto de benefícios ao nível psicológico ainda mais importantes nesta fase complicada. Entre estes benefícios temos a diminuição da ansiedade e da depressão, a resposta ao stress, o aumento da autoestima e da autoconfiança e a regulação do humor: todos eles importantes nesta conjuntura que estamos a viver.

Os atletas olímpicos estiveram sob grande pressão nas últimas semanas até serem adiados os Jogos. O clima de incerteza foi bom ou mau para os atletas em confinamento? Afinal, apesar de não terem as condições ideais de treino, tinham uma motivação para treinar...
O clima de incerteza nunca é bom, pois há sempre ansiedade associada. E, quanto há motivação, não há maior do que poder participar no maior evento desportivo do mundo: os Jogos Olímpicos!

Podemos assistir a um relaxamento, ainda que momentâneo, uma vez que os Jogos foram adiados por um ano e não há competições ativas...
Pode existir um ligeiro aliviar, até em função de toda a conjuntura que vivemos, mas, sendo os atletas extremamente competitivos, já estão com o foco nos Jogos Olímpicos de 2021.

No caso dos jogadores de futsal, o Mundial de setembro ainda não foi adiado, ao contrário do Euro 2020 e de Tóquio 2020...
Devido a isso, esses atletas têm um objetivo um pouco mais perto temporalmente, o que ajuda na motivação, mas, mesmo que venha a ser adiado, o objetivo mantém-se.

Até que ponto a possibilidade de haver corte salariais os afetam?
Afetam, porque se está a alterar uma situação que estava definida e, portanto, com a qual eles contavam. É preciso lembrar que a maioria dos atletas não tem os salários milionários que normalmente associamos sobretudo ao futebol. Estes atletas têm de pagar as suas contas e obrigações e, se houver alterações, é difícil manter o foco na sua atividade profissional, pois estão preocupados em cumprir os seus compromissos. A acrescer a isto, há muitos atletas com familiares dependentes do seu salário. Estes efeitos podem ser mitigados se existir uma conversação e se houver acordo.

A quarentena pode afetar o desempenho profissional no regresso? A nível físico, percebe-se que sim, mas e a nível mental?
Pode! A nível mental também, porque esse regresso terá de ser feito com muitas precauções e será o sair de uma situação muito diferente e que nunca nenhum de nós tinha enfrentado até agora. E outro cuidado que será preciso ter é que, apesar de os atletas terem treinado, o seu nível de desempenho no regresso será muito diferente do que tinham antes deste interregno. E é importante estar atento a isso, pois pode prejudicar os índices de confiança nas suas capacidades.

Fazer exercício é uma vantagem dos atletas porque têm um conjunto de benefícios ao nível psicológico ainda mais importantes nesta fase complicada

Nos desportos coletivos, a convivência de balneário é muitas vezes apontada como fator determinante para as vitórias. Como irá ser no regresso? Será que os comportamentos de convívio vão manter-se?
O espírito de grupo é fundamental para os sucessos e é provável que haja alguma alteração de comportamentos no início (até por causa da distância social que temos de ter em função do vírus), mas isso rapidamente será ultrapassado, pois sabemos que a proximidade presencial é extremamente importante no desporto.

Faz sentido pensar no regresso das competições quando a prioridade ainda é salvar vidas?
Sendo essa claramente a prioridade, faz sentido pensar no regresso para termos metas a atingir. E, como vimos, essa é uma estratégia de motivação poderosa e todos nós necessitamos dela nas nossas vidas.

E faz sentido falar em regresso à normalidade? O contexto de normalidade não terá de ser revisto?
Essa é uma excelente pergunta. O conceito de normalidade já era muito subjetivo, variando com as regiões, as culturas, os hábitos, etc. Esta será mais uma alteração e, portanto, teremos de a incorporar na normalidade de cada um... Ou seja, que utilizemos esta rutura na nossa maneira de viver para revermos e modificarmos alguns comportamentos no sentido de valorizarmos mais a família, a amizade, o nosso planeta e o outro!

E saindo da esfera do profissional. Há milhares de miúdos a praticar desporto no país. Eles lidam com isto da mesma forma ou não?
Tirando algumas especificidades do desporto profissional, de forma geral tudo o que referimos também se aplica à formação e ao desporto não profissional. Para além da manutenção da prática do exercício físico e do treino mental que já abordámos aqui, ficam outras recomendações: manter o mais possível rotinas diárias e envolver nestas os membros da família que também estejam confinados no mesmo local. Estas rotinas não devem ser inflexíveis e podem variar diariamente desde que as tarefas obrigatórias se mantenham [exercício físico]. Manter o contacto social recorrendo às videochamadas, telefonemas e outros meios, que são uma grande ajuda para todos e ainda mais para os atletas que estão geograficamente deslocados e afastados fisicamente das suas famílias e amigos. Ter um ou dois períodos definidos diariamente para acompanhar as notícias sobre a pandemia recorrendo a fontes credíveis. Reforçar os laços familiares, estreitando as relações pela partilha de atividades e, se possível, apoiar os familiares na gestão das suas emoções. Não esquecer que estamos a lidar com crianças e é importante que tenham tempo e espaço para o lazer, que pode passar por ver filmes, séries, ler ou jogar jogos online.

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